ThanatoSchizO
O Papel dos Sonhos
Os bons efeitos são resultado das empenhadas causas. Quando uma banda atinge um patamar criativo ao ponto de recriar a sua própria música, é sintoma de crescimento, identidade e ímpeto para expressar sempre um pouco mais. É que, no caso dos THANATOSCHIZO, são já quatro álbuns de estúdio ao longo de uma década de labor no metal nacional e não só. Esse não é, no entanto, o estilo dominante em «Origami», um álbum de atmosferas étnicas, em que o grupo de Santa Marta de Penaguião mostra novas faces de outras tantas doze canções. Balalaika, cavaquinho e theremin são alguns dos instrumentos empregues, num exotismo que já não é estranho a um grupo que se deparou com algumas contrariedades a meio caminho. Guilhermino Martins, guitarrista e agora também vocalista, fala-nos desse processo e da magia obtida.
Este conjunto de abordagens diferentes a temas vossos era algo que já tinham em mente fazer há algum tempo ou a ideia surgiu mais após o «Zoom Code»?
Na verdade, esta ideia já surgiu por volta de 2002/03 quando tocámos nas FNACs. De certa forma, foi-nos sugerido que apresentássemos, na altura do «InsomniousNightLift», temas em formato acústico porque, de outra forma, seria proibitivo tocar lá em formato “normal”. Aceitámos o desafio e começámos a trabalhar numa roupagem semi-acústica dos temas e, já nessa altura, nos apercebemos que era um campo em que nos sentíamos confortáveis e que, mais tarde ou mais cedo, teríamos vontade de gravar algo nessa onda. Depois do «Zoom Code», percebemos que era a altura certa e mesmo antes dos concertos de promoção ao álbum, começámos a ensaiar versões acústicas dos temas. Fizemos uma pré-produção deste material, tocámos mais algumas datas nesse formato e chegámos ao concerto do Teatro de Vila Real que, de certa forma, foi o ponto em que concluímos que teríamos de encontrar uma editora para lançar este material.
Será sempre um desafio tornar temas eléctricos em acústicos, até porque um coisa é idealizar essa transformação e outra é concretizá-la. Sabiam de antemão como o fazer ou houve espaço para se surpreenderam com a vossa própria música?
No fundo, partimos com a tela completamente em branco. Provavelmente, a única coisa que acabámos por seguir foi a melodia das vozes. A partir daí, tentámos construir a música com base numa ideia, que pode recair – como alguns temas o demonstram – na música étnica, como em explorar diferentes vocalizações. Tentámos partir sem grandes ideias e, depois, na sala de ensaios vão surgindo e o tema quase que se escreve por ele próprio. Tal como em ocasiões anteriores na banda, muitas vezes aquilo que idealizamos antes de entrarmos na composição a sério, acaba por ser completamente diferente daquilo em que se torna no final. Portanto, acaba por haver sempre espaço para surpresas.
Com a vantagem de algumas faixas quase soarem hoje a temas novos. Não se trata de um quinto álbum de estúdio, com inéditos, mas «Origami» não é só uma colecção de versões; há recriações muito distintas dos originais.
Sim, e esse também era um dos pressupostos. Podíamos limitar-nos a tocar os temas, simplesmente sem distorção – manter os berros e todas as estruturas, retirando apenas o ganho das guitarras. Mas o objectivo era exactamente outro – mudar os temas de tal forma, que muitos deles até se tornam irreconhecíveis. Temos o caso de «Sweet Suicidal Serenade», um dos mais emblemáticos da banda e mais poderosos ao vivo, na versão original, e que, neste álbum, está com uma configuração totalmente diferente e que remete para um universo quase bossa-nova. A ideia era mesmo essa, estimularmo-nos a nós próprios e surpreender os outros que, provavelmente, só nos vão reconhecer pela melodia das vozes. Mesmo essa, muitas vezes está com trejeitos bem diferentes.
Houve também aqui uma importante mudança de formação, com a saída do Eduardo Paulo. Isso trouxe-te uma maior incumbência vocal, bem como à Patrícia, que se torna numa figura ainda mais central, neste vosso formato acústico. Algo com que lidaram bem?
Digamos que o período de luto durou um/dois dias. Foi a altura em que fizemos um brainstorming e avaliámos qual o caminho a seguir. Havia uma série de possibilidades e colocada em cima da mesa a hipótese de arranjarmos outra pessoa para substituir o papel que o Eduardo desempenhava. Foi colocada a hipótese de a Patrícia assumir, por completo, as vozes e aquela que acabámos por adoptar que passou por eu e a Patrícia dividirmos entre nós as vozes do Eduardo. Optámos por não divulgar isso quando aconteceu e foi o melhor que fizemos. Ele saiu em Fevereiro de 2010, mantivemos as coisas entre nós e começámos a trabalhar nesses moldes. Gravámos as vozes, o material começou a fluir e acho que, a esta distância, soubemos dar a volta à situação de uma boa forma. Diria que, com esta formação e, com os dois membros de sessão com quem já estamos a ensaiar há vários meses, em termos musicais, esta banda nunca soou tão bem. Sempre tentei evitar que houvesse mudanças de formação, não é uma coisa com que simpatize – bandas que estão constantemente a alterar line-up, mas agora percebo que, por vezes, é preciso uns abanões e, pelo menos no nosso caso, é isso que nos proporcionou fazer este álbum e estarmos mais entusiasmados que nunca.
Já citaste um dos temas que resultou particularmente bem. Há outros que, de uma forma ou de outra, foram mais desafiantes em transfigurar?
Há alguns temas que se tornaram mais apaixonantes de trabalhar… A «RAWoid», por exemplo, que é uma junção da «Raw» do nosso primeiro álbum e da «Void» do «Turbulence», em que contamos com a participação de elementos de uma orquestra de Vila Real, da Banda de Mateus. Foi engraçado porque tínhamos apenas uma ideia muito básica daquilo que queríamos da orquestração e, a partir daí, o orquestrador Ricardo Silveira criou ali uma série de melodias e fonias que acabaram por tornar o tema muito apelativo e grandioso. Temos também uma canção como a «(Un)bearable Certainty», que foi a primeira que divulgámos através do nosso site, em que demos total liberdade ao Hugo dos Fadomorse para, no fundo, fazer aquilo que quisesse. Acabou por ser um dos meus preferidos e uma das mais desafiantes de construir. Tivemos também a participação de alguns amigos nossos em coros que se pretendia que soassem o mais balcânicos possível e também um percussionista, um jovem prodígio de Vila Real, que acaba por ajudar a preencher quatro/cinco temas ao longo do álbum.
Com todos esses elementos extra que um disco como «Origami» acaba por conter e pela extensão world music que dão à portugalidade da vossa música, achas que, a partir daqui, podem apelar ainda mais a públicos além do metal?
Esse não é, propriamente, um objectivo nosso, mas era algo que se viesse, viria por bem… por assim dizer. É algo que acolheríamos com bons olhos porque, no fundo, sempre fomos – e continuamos a ser – uma banda de metal, mas sentimos sempre a necessidade de misturar essas influências extra metal no nosso som base. Já temos treze anos de existência e tenho sensatez para perceber que não é com este álbum que vamos começar a passar nas rádios, por mais que os temas tenham até uma abordagem rádio friendly. E estou consciente de que, para um miúdo que comece agora a ouvir metal – e já estive nessa condição – é natural que os ThanatoSchizO não sejam uma banda apelativa ou interessante… Principalmente nesta altura, em que não temos o peso das guitarras e aquele elemento mais directo. Mas acho que, como nós que crescemos a ouvir metal, há muitos outros amigos, fãs, pessoas que começaram a ouvir coisas pesadas e, depois, interessaram-se por outro tipo de sonoridades. E há pessoas que, provavelmente, nunca acharam os ThanatoSchizO muito interessantes no registo normal, distorcido, mas que, se derem uma oportunidade à banda, vão descobrir nuances apelativas nas novas músicas. Nesta altura, ainda estou um bocadinho céptico em relação ao que vai acontecer, mas acredito que, se houver o mínimo de mente aberta e espírito livre, vão apreciar o «Origami».
O conceito de um título como «Origami» é o de que podemos fazer aquilo que quisermos com uma folha já existente… Neste caso, a vossa música? Daí também o artwork simplista?
Sim. É podermos partir, por exemplo, de uma folha de papel plana para outras dimensões. É o que quisermos e acabar, depois, em algo belo. Na capa, a ideia passou por uma coisa limpa, minimal, clara, com bastante luminosidade. Ao contrário de outros CDs, em que tivemos uma composição gráfica bastante trabalhada e cheia de detalhes, desta vez, quisemos que o artwork fosse um espelho das músicas… Apesar de serem trabalhadas, mas a ideia foi baseá-las na teoria da simplicidade.
As próprias gravações também devem ter sido diferentes do habitual. Captar no Teatro de Vila Real e no vosso estúdio foi uma experiência mais complicada do que estariam à espera?
Diria que foi uma verdadeira tour de force, porque foi um ano e meio de gravações. O período de tempo inicial teve de ser alongado devido à quantidade de convidados porque é quase impossível conseguirmos coordenar a participação de todos, ao longo de dois ou três meses. Teve de ser tudo muito espaçado para que pudessem gravar. Com este álbum, diria que acabei por ter o estágio final que precisava para me sentir capaz de fazer a produção de um disco. Foi tanta minúcia, tantos instrumentos e desaires logo no início das gravações, que acabou por ser um desafio. No primeiro dia, o meu processador principal avariou, tive de pedir diverso material emprestado e devo dizer que o pessoal do teatro foi ultra-prestável, de uma dedicação extrema. As coisas foram-se alongando, depois houve aquela altura em que o Eduardo saiu e tivemos de ponderar para gravar as vozes que, entretanto, ele já tinha gravado. E depois a fase final da mistura, que é mesmo de fazer cabelos brancos e que, ao mínimo descuido, podemos alterar os níveis pretendidos… Foi um bocadinho stressante, sem dúvida, quanto mais não seja por estarmos habituados a ter ao nosso lado uma pessoa como o Luís Barros a dizer-nos – “está bom, não é preciso fazeres mais nada!”. Mas penso que as decisões que tivemos foram bem tomadas e valeu o esforço. E mais precioso se torna o trabalho porque, desta vez, foi todo nosso, desde a pré-produção inicial, até à conclusão das misturas.
Daqui para a frente, podem colocar-se interrogações criativas aos ThanatoSchizO, se vão seguir mais por este ou por aquele caminho. No teu caso, vais assumir a mesma quantidade de vozes masculinas tinha anteriormente?
Nem por isso. Em primeiro lugar, porque não consigo fazer a típica voz death metal. Sei cantar, mas quanto aos growls e grunts, não posso ir tanto por aí. Diria que a próxima fase vai ter de ser bem pensada e temos de ver o que vamos fazer a seguir. Até porque a própria incógnita passa pelo estilo que vamos prosseguir a partir daqui…. Tanto podemos continuar a tocar um som como fazíamos antes deste álbum, como podemos partir para outro tipo de sonoridade. Mas penso que as pessoas já estão habituadas às tais metamorfoses que temos de álbum para álbum. Não acho que vá ser tão revolucionário quanto isso, acho é que, na devida altura, vamos ter de decidir o que vamos fazer. Gostava de começar a dedicar-me a um futuro álbum de originais a partir do final deste ano, em termos de composição e pré-produção dos temas. Nesta altura, ainda é cedo porque estamos focados nos concertos em torno do «Origami».
Já foram feitas algumas datas importantes como a apresentação ao vivo aí no vosso distrito e a passagem pelo Hard Club. Quanto aos planos para este ano, há possibilidade ou interesse vosso em fazerem, por exemplo, uma mini-digressão nacional?
Era óptimo e é nesse sentido que tenho contactado tudo o que é casa cultural, teatros, casas das artes. O nosso objectivo é mesmo o de ir para a estrada e apresentar estas músicas, até porque com esta sonoridade, feliz ou infelizmente, é mais fácil chegar a esses espaços. Há um caminho em que gostava que os ThanatoSchizO entrassem, que é o circuito da world music em Portugal. Acho que este álbum tem potencial para isso, para o tocarmos em alguns festivais dedicados a esses sons. Assim como para o estrangeiro. Foram feitos alguns contactos para Espanha e estamos mesmo empenhados em espalhar a sonoridade deste trabalho.
Nelson Santos