A personalidade paralela da banda ThanatoSchizO emerge neste Origami cuidadosamente dobrado em forma acústica e sem malabarismos técnicos supérfluos. Guilhermino, guitarrista (entre outras valencias na banda) reconhece que este pode não ser um disco consensual. Porém, ninguém lhe poderá negar uma imensa qualidade e uma surpreendente originalidade em canções que se sabiam antigas.
Falem-nos um pouco sobre a escolha do título Origami.
Origami é uma prática secular japonesa que consiste na dobragem de papel, dando origem à representação artística de seres ou objectos. Ora, a nossa perspectiva deste trabalho é a de que partimos de uma base que já dominávamos (os temas, na sua versão original) e fomos desenvolvendo uma personalidade paralela, entusiasmante q.b., o que nos permitiu explorar uma musicalidade até aqui virgem no universo de TSO e criar algo novo.
Este álbum representa a vossa reinvenção?
Representa uma manifestação de intenções. Uma afirmação, se preferires. Nunca nos guiámos por hypes e fomos definindo a nossa sonoridade (apenas) ao sabor do nosso gosto. Curiosamente, a única vez em que houve um ponto de convergência entre o que apresentámos e a moda vigente foi com o Turbulence (o nosso terceiro álbum), uma vez que – à época -, os Opeth tinham acabado de assinar pela Roadrunner. Origami é apenas mais um capítulo desta constante reformulação que, verdade seja dita, tem andado sempre à margem do que é generalizadamente cool.
Renderam-se ao poder do acústico?
Esta valorização do conceito acústico já vem de longe, uma vez que, desde 2003, apresentámos todos os nossos álbuns nesse regime nas FNACs. Qualquer um de nós gosta de música mais calma e nunca excluímos essa faceta do nosso som. Na verdade, reconheço mais poder em alguns temas acústicos do que em algumas bandas consideradas extremas, com dinâmica zero.
Aumentaram o leque de instrumentos e sonoridades. Como foi montar o puzzle?
Foi difícil, não o vou negar. Foi penoso. No meu caso, foram imensos cabelos brancos a aparecer, foi a ansiedade a corroer por dentro, o tempo a passar (uma vez que essa foi a única forma de conseguir conciliar a disponibilidade dos diversos convidados), mas entre nós havia a certeza inabalável de que tínhamos entre mãos algo especial e que, com a devida dedicação, as pessoas o iriam reconhecer como tal. E, mesmo não havendo esse reconhecimento, existia a vontade da tal manifestação de intenções.
A subtileza é difícil de conseguir?
No nosso caso, habituados à ultra-orquestração dos temas, foi um exercício complicado. Uma luta entre o instinto - que pende para gravar “mais uma pista” - e o bom senso - que obrigava a pensar “ok, já chega!”. Porém, a verdade é que mais depressa me interesso por uma canção composta por dois acordes e um sentimento que me seja apelativo do que por qualquer tema repleto de demonstrações inócuas de malabarismo técnico.
Onde se situam as vossas influências “world music”?
Estradasphere, Secret Chiefs 3 e Mr. Bungle são três referências que contribuíram, definitivamente, para a nossa identidade musical, por abraçarem sonoridades tão díspares e conseguirem criar “canções” que não soam a mantas de retalhos. A isso não é, aliás, alheia a participação do Timb Harris (músico comum aos três projectos) no nosso álbum anterior. Depois há referências de bandas com uma genuinidade étnica mais assinalável como as Charming Hostess ou Fishtank Ensemble, mas – neste campo em particular – estou apenas a citar nomes que me marcaram. Qualquer outro elemento da banda te daria respostas diferentes, uma vez que ouvimos coisas tão diversas...
Como surgiu Mika Jussila no vosso caminho?
Sentimos que precisávamos de uma masterização que sublinhasse a delicadeza e limpidez dos temas. Tínhamos uma série de nomes em cima da mesa, mas a veterania (e profissionalismo, diga-se) do Mika não nos deixaram margem para qualquer dúvida. Ele conseguiu, de facto, dar o “toque de Midas” ao material.
Que implicações pode ter um álbum como este no rumo futuro da banda?
É apenas mais um passo numa caminhada que pretendemos longa. Foi sempre assim que encarámos cada lançamento e a verdade é que, a partir daqui, com este alargamento de fronteiras musicais, temos uma tela em branco, na qual podemos pintar, musicalmente, qualquer coisa.
E os fãs das vossas raízes metálicas como têm reagido a este trabalho acústico?
Globalmente bem, o que não me surpreende, uma vez que mesmo nos temas mais “metálicos”, como lhe chamas, há sempre um trejeito qualquer que lhes dá a tal identidade TSO. É claro que o Origami não vai ser um disco consensual. Há dias dei por mim a pensar como reagiria se tivesse ouvido este álbum quando tinha 15 anos e provavelmente não iria gostar, porque a sensibilidade dessa altura estava fechada a este tipo de sonoridades. Porém, isso parece-me natural e perfeitamente compreensível.
Tocar ao vivo este álbum é um desafio?
É um excitante desafio! Temos actuado com uma orquestra (a Banda de Mateus, que participou no álbum), com um acordeonista e um (improvisado) coro cigano. É claro que há uma série de nuances a que temos de estar atentos, por se tratar de um concerto acústico, mas, até ver, as coisas têm corrido muito, muito bem. Temos preparado um espectáculo de 90 minutos, em que, para além da música, apostamos numa forte componente multimédia e até cénica.
Sentem-se músicos do mundo?
Sentimo-nos músicos capazes de criar em diversos contextos musicais, sendo o Metal apenas um deles. Do mundo? Sim, no sentido em que aproveitamos cores de outros pontos do globo e estamos sempre abertos a ser influenciados por isso.
No vosso colectivo quem começa a criação de uma música?
Tudo começa com um padrão de bateria, uma sequência de acordes, um riff ou uma melodia no piano. A partir daí vamos definindo o esqueleto das músicas. Não há uma regra fixa nesse campo e todos contribuem no acto da criação que, ocorre, em 80% dos casos, na sala de ensaios.
A quem gostariam de ouvir tocar uma cover vossa?
Pergunta difícil, mas seria engraçado ouvir algo dos Disillusion ou do Devin Townsend.
Qual o sítio mais esquisito onde já tocaram?
Já actuámos em diversos locais “esquisitos”. A actuação em 1998 no Padaria Bar (ainda como Thanatos), no momento exacto em que o palco foi invadido pelos esgotos, fruto da canalização arrombada, assalta-me a memória de vez em quando. E sim, o concerto seguiu até ao fim.
Mónia Camacho